
Meus queridos leitores,
Vivemos uma encruzilhada histórica: um momento em que a tecnologia transcende ser apenas uma aliada operacional para se tornar parceira ativa na construção de políticas públicas mais eficazes, equitativas e responsivas. Nas doze edições anteriores da série Lumina, refletimos sobre supply chain, colaboratividade, transparência, inovação tecnológica e governança. Hoje, avançamos para um capítulo decisivo: a adoção da Inteligência Artificial no governo.
Há temas que chegam primeiro como um sussurro, quase imperceptíveis, e depois se tornam inevitáveis. A IA no setor público é um desses temas: não surgiu ontem, mas só agora ocupa o centro de uma conversa que vínhamos desenhando. Chegamos, então, ao momento em que o Estado começa não apenas a operar, mas a aprender.
E quando o Estado aprende, tudo muda.
O Estado cognitivo e a nova forma de governar
A OCDE tem reforçado que governos não são mais apenas reguladores de IA, são usuários, desenvolvedores e, de certa forma, aprendizes dessa tecnologia. Isso altera profundamente a natureza da máquina pública. A Inteligência Artificial no governo deixa de ser um acessório moderno e passa a exigir um novo tipo de postura estatal: mais observadora, mais reflexiva, mais consciente dos impactos que produz.
A IA traz ganhos inegáveis:
• Produtividade ampliada, liberando servidores para decisões mais estratégicas.
• Responsividade verdadeira, ajustando políticas às nuances da sociedade real.
• Accountability fortalecida, com monitoramento inteligente, análises contínuas e maior precisão nas auditorias.
Mas o brilho não vem sem sombra.
E ignorar essa sombra seria, no mínimo, ingênuo.
Os riscos que não cabem apenas em relatórios
Os documentos técnicos falam de vieses, ética, explicabilidade, exclusão digital. Tudo correto. Mas a prática do setor público revela algo mais sutil: decisões tomadas por IA podem ser eficientes e injustas ao mesmo tempo. Podem ser rápidas, mas rasas. Podem parecer neutras, mas carregar a marca de dados mal representativos.
E é aqui que a responsabilidade humana reaparece de forma incontornável.
O risco mais perigoso não é a IA errar, é o Estado confiar demais e parar de questionar. É achar que “o algoritmo sabe”. É deixar de ouvir quem será afetado por uma lógica invisível. É esquecer que nenhum modelo estatístico compreende aquilo que só o humano entende: contexto, nuance, dignidade.
A tecnologia pode fazer contas perfeitas, mas nunca fará julgamentos morais.
O Brasil diante da IA: terreno fértil, mas não plano
O Brasil tem vantagens expressivas: um ecossistema de dados públicos vasto, instituições de controle atentas, pesquisadores competentes, iniciativas digitais consistentes. E também grandes desafios: desigualdade, maturidade digital desigual entre entes federativos, e uma tradição de processos que às vezes resiste ao novo por proteção e não por convicção.
A IA no governo brasileiro pode agir como equalizador, se aplicada com cuidado:
- na saúde, para prever surtos, otimizar leitos, personalizar atendimentos;
- na educação, para adaptar currículos, apoiar estudantes e antecipar demandas;
- na gestão fiscal, para melhorar previsões e detectar desvios.
E pode transformar profundamente o mercado público, área que a IBIZ acompanha há anos com seu ecossistema de dados e com soluções como a Plataforma Essenciz, que já estrutura, organiza e traduz informações complexas em inteligência acionável para empresas fornecedoras do governo.
A IA não nasce do nada: ela nasce de dados bem cuidados. E nisso, o Brasil tem um ponto de partida sólido.
Como avançar com responsabilidade (sem perder o ritmo da inovação)
A OCDE traz uma estrutura útil, mas é a vivência com o setor público que mostra como ela se materializa:
- Enablers — construir as condições reais
Não basta ter tecnologia. É preciso ter lastro: dados interoperáveis, infraestruturas seguras, equipes capacitadas, orçamento para pilotos e a coragem institucional de testar sem medo de errar.
- Guardrails — colocar limites antes que eles sejam necessários
Transparência, governança, comitês multidisciplinares, avaliações de impacto algorítmico, explicabilidade. Não como burocracias, mas como proteções éticas.
- Engajamento — trazer a sociedade para dentro da conversa
Porque políticas públicas não são feitas para máquinas.
São feitas para gente.
E gente precisa ser ouvida, informada, considerada.
O papel da IBIZ: iluminar, não conduzir
A IBIZ nunca se posicionou como quem dita caminhos, mas como quem ilumina terrenos. Com dados estruturados, análises consistentes e uma plataforma como a Essenciz, ajudamos empresas e gestores a entender o ambiente público com mais clareza.
Isso coloca a empresa em um ponto singular para apoiar o mercado público na adoção de IA que:
- enxergue padrões,
- reduza assimetrias,
- fortaleça o planejamento,
- e sirva, de fato, ao interesse público.
Mas tecnologia nenhuma substitui a visão ética.
E visão é algo que nenhuma inteligência artificial, por mais avançada, será capaz de simular com autenticidade.
A tecnologia é luz, mas a direção é humana
A IA abre portas, algumas fascinantes, outras inquietantes.
Mas portas não se atravessam sozinhas. É preciso escolher como, quando e por quê.
Esta edição de Lumina não celebra a IA nem a teme.
Ela a contextualiza.
Ela a convida a entrar, mas pede que tire os sapatos antes.
Porque o Estado que queremos construir é aquele que:
- pensa sem dispensar a cautela,
- prevê sem ultrapassar limites éticos,
- aprende sem esquecer para quem existe.
A IA ilumina.
Mas só nós podemos guiar.
Não proponho um salto irracional.
Proponho um salto consciente.
Luz, hoje e sempre.
Daniela Corrêa Triñanes