Silvia Sfeir é Gente Que Brilha
Confira a entrevista com Silvia Sfeir, Mestre em Administração de Empresas que há 20 anos é professora e atualmente ocupa o cargo de Diretora Executiva de Vendas & Acesso na Bayer, gigante da...
A pandemia de coronavírus trouxe à tona a pauta da competência emocional em situações de extrema tensão. Apenas se confirmou a percepção geral no mercado de trabalho: habilidades humanas são os grandes diferenciais de um profissional do século 21.
Não é uma pauta conjuntural, ela tende a ser ainda mais valorizada no mundo pós-covid-19. A automação de diversos setores das cadeias produtivas e o desenvolvimento veloz da inteligência artificial realizam uma mudança estrutural no mundo do trabalho. Habilidades humanas serão cada vez mais cruciais para a carreira.
A capacidade de discernir e controlar as próprias emoções, bem como a sensibilidade ao lidar com a emoções de outras pessoas é uma qualidade reconhecida há séculos em diversos campos do saber.
No período da Atenas clássica, Aristóteles dedicou o segundo livro da Retórica à análise das emoções “que tanto alteram os homens como afetam seus julgamentos” . O filósofo examinou de que maneira o orador pode alterar as emoções da audiência conforme a finalidade do seu discurso.
Outra referência está na Bíblia hebraica que registra, por exemplo, o provérbio milenar: “a resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira” , realçando a sabedoria de temperar as palavras em situações carregadas de tensão.
Na era moderna encontramos em O príncipe as observações de Maquiavel ao governante que deseja permanecer firme no poder: o príncipe não pode ser emocionalmente fraco, pois “o que o faz desprezível é ser reputado volúvel, leviano, […] irresoluto”
Desse modo, é fácil verificar que a valorização da habilidade emocional é uma constante em diversos gêneros de textos, sejam filosóficos, espirituais, éticos, psicanalíticos ou políticos.
Isto sem citar as obras de arte, já que as emoções são a matéria-prima de todas as narrativas literárias. Entretanto, apesar da popularidade perene das “emoções” na cultura, o tema foi colocado de lado por muito tempo no mercado de trabalho da sociedade capitalista.
Orientado por teorias econômicas que consideravam a tomada de decisão apenas como um raciocínio lógico de custo-benefício desprovido de fatores emocionais, o sistema capitalista se equiparou a uma máquina não apenas desumana, mas desumanizadora.
Filmes do início do século 20 como Metropolis (1927) de Fritz Lang e Tempos Modernos (1936) de Charlie Chaplin ilustram a situação de seres humanos transformados em meras peças nas engrenagens industriais. A emergência do tema “emoções” no mercado de trabalho só ocorreu no final do século passado.
Em 1989 o congresso dos Estados Unidos decidiu investir durante uma década em pesquisas sobre o cérebro. Em 17 de julho de 1990, o presidente George H. W. Bush proclamou a “década do cérebro”.
Entre os objetivos do programa estava o desenvolvimento de medicamentos contra Alzheimer e Parkinson. Desde então, outras nações também injetaram recursos em projetos semelhantes promovendo a fama das “ciências do cérebro” ou “neurociências”.
O professor de epistemologia Markus Gabriel, da Universidade Bonn na Alemanha, chegou a afirmar que o mundo saiu do “eurocentrismo (opinião colonial de uma superioridade cultural da Europa em relação ao resto do mundo)” para o “neurocentrismo (alimentado pela fantasia de onipotência da ciência)” .
O fato é que a década de 1990 ficou marcada pelo grande boom de estudos sobre o cérebro. Em 1994, por exemplo, o neurocientista português António Damásio publicou a aclamada obra O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano, descrevendo o que seria o funcionamento da “mente” em termos biológicos e a influência das emoções na tomada de decisão.
Neste ambiente científico ufanista em torno cérebro com descobertas sobre as bases biológicas das emoções, cresceu o volume de pesquisadores com propostas de avaliar “cientificamente” as capacidades emocionais de um indivíduo.
Em 1995 o colunista de ciências do jornal The New York Times, Daniel Goleman fez história no meio corporativo lançando o livro Emotional Intelligence. A obra sintetizou as pesquisas de então, questionou o teste de “QI” (quociente de inteligência) como avaliação padrão sobre a capacidade cognitiva de um ser humano, e promoveu o paradigma do quociente emocional (emotional quotient – EQ).
Segundo Goleman, a inteligência emocional é a capacidade de um indivíduo identificar, avaliar e controlar suas próprias emoções, bem como discerni-las em outras pessoas. Esta habilidade em lidar com emoções seria tão ou mais decisiva que o QI na trajetória de um profissional.
O livro explodiu em popularidade alcançando dezoito meses ininterruptos na lista de mais vendidos em quarenta idiomas e diversos países. Ainda em 1995 a revista Time chegou a estampar na capa: “What’s your EQ?” (qual o seu QE – quociente emocional?) demonstrando a popularidade das ideias sobre inteligência emocional.
Hoje, vinte e cinco anos depois do auge, a noção de “inteligência emocional” estabeleceu bases estáveis no meio corporativo. Mas é importante destacar dois aspectos que evoluíram neste período.
Em primeiro lugar, houve um amadurecimento da justificativa: não é mais necessário basear a importância das habilidades emocionais em termos científicos. Atualmente a fundamentação é sobretudo ética. O estardalhaço inicial em torno do conceito arrefeceu com os desdobramentos mais recentes das neurociências.
Por exemplo, hoje o neurocientista António Damásio diferencia emoções de sentimentos: emoções são um programa de ações e reações biológicas, relacionadas com os músculos, o coração, os pulmões, as reações endócrinas, etc.; já os sentimentos são as experiências mentais que o indivíduo tem a partir daquilo que está acontecendo em seu corpo.
Assim, não é respaldada pela ciência a possibilidade de se criarem métodos inequívocos de aferir e desenvolver a capacidade emocional e sentimental de um ser humano. Essa ausência de capacidade preditiva das teorias sobre “inteligência emocional” impede sua categorização em termos de teoria científica.
Desse modo, o mercado de trabalho não fundamenta a necessidade das habilidades emocionais em termos meramente científicos ou econômicos, mas em termos éticos: está no código de ética e conduta, nos valores e práticas das melhores organizações do mundo, nos setores público e privado. Essa virada ética é uma das principais marcas do paradigma dos negócios conscientes.
Em segundo lugar, as aplicações práticas da inteligência emocional também evoluíram. De 1995 para 2020 o mundo foi reordenado por sucessivas revoluções digitais. Hoje, estamos hiperconectados em diversas redes sociais e a fronteira entre trabalho e vida privada ficou tênue.
Assim, as competências emocionais são percebidas e esperadas não apenas em uma entrevista de emprego, mas em diversos aspectos da carreira. O filósofo italiano Umberto Galimberti resume a ideia ao afirmar que “emoção é essencialmente relação” .
Além disso, os profissionais são apreciados conforme suas capacidades singulares. Não há um “padrão definitivo” de comportamento emocional. Evoluir a inteligência emocional é uma jornada sem fim. Ao examinar o comportamento da juventude contemporânea, Galimberti elogia a proposta do livro de Daniel Goleman sobre a “alfabetização emotiva”.
A comparação é apropriada: ainda que não seja possível ensinar alguém a escrever como Jane Austin ou Cora Coralina, é possível alfabetizar e ensinar uma pessoa a simplesmente escrever. Do mesmo modo, não é possível programar um ser humano para que desenvolva as exatamente as competências emocionais de outra pessoa, mas é possível apresentar ferramentas para que desenvolva seu próprio comportamento.
Com estes pressupostos em mente, apresentamos algumas ideias que podem contribuir para o desenvolvimento das competências emocionais no mundo do trabalho pós-covid-19.
Reflita sobre seus sentimentos: não seja superficial ao tratar seu temperamento, ao refletir é proveitoso descrever e nomear com maior precisão o que você está sentindo. Quando alguém pergunta: “como você está?”, invariavelmente respondemos: “estou bem”. Ocorre que “bem” não é um sentimento, é uma resposta padrão, civilizada. O problema é quando somos escapistas e imprecisos diante de nós mesmos. Portanto, no momento adequado, reflita detalhadamente sobre o que realmente te faz “bem”. Seja mais específico: “sinto-me grato”, “entusiasmado”, “leve”. A Universidade Berkeley divulgou um estudo que identificou 27 sentimentos principais: admiração, adoração, alívio, anseio, ansiedade, apreciação estética, arrebatamento, calma, confusão, desejo sexual, dor empática, espanto, estranhamento, excitação, horror, inveja, interesse, júbilo, medo, nojo, nostalgia, raiva, romance, satisfação, surpresa, tédio e tristeza. Dar nomes aos sentimentos é um excelente exercício para se entender de fato. Afinal, em alguma medida, nós somos nossas próprias emoções e sentimentos, como disse o poeta Fernando Pessoa, “a cada emoção uma personalidade, a cada estado de alma uma alma” .
Reflita sobre suas reações emocionais/sentimentais em situações críticas: as reações de um indivíduo em situações complexas e tensas são determinantes em sua carreira profissional. Habitualmente são as situações difíceis que forjam os grandes líderes da humanidade. O filósofo David Hume observou que “é provável que a ascendência inicial de um homem sobre a multidão tenha início durante o estado de guerra, quando a unidade e a coordenação são mais requeridas” . Inquestionavelmente as situações de pressão são testes para as grandes lideranças, contudo, há pessoas incapazes de suportar os testes mais simples do dia-a-dia profissional. Na atual conjuntura político-econômica mundial, com cenário de recessão e alta competitividade por postos de trabalho, definitivamente não há espaço para profissionais que se descontrolam por qualquer bobagem. Desse modo, avalie e compreenda quais são as principais situações que te fazem sair do controle ou dar vazão à determinados sentimentos e atitudes. Essa capacidade de reconhecer o padrão de pensamento que existe por trás de seus impulsos é comumente chamada de autorregulação no meio corporativo. Profissionais com autorregulação emocional apresentam clareza e racionalidade mesmo sob pressão.
Ria de si mesmo (não se leve à sério demais) e aceite feedbacks: o escritor Amós Oz em seu célebre ensaio: Como curar um fanático ,afirma que a capacidade de levar a vida com maior senso de humor é uma marca das pessoas promotoras da paz. Por outro lado, os fanáticos são incapazes de rir de si mesmos. Nas palavras de Oz, “humor é a aptidão para ver a si mesmo como os outros o veem, humor é a capacidade de perceber que não importa quão justo você é, e como as pessoas têm sido terrivelmente erradas em relação a você, há um certo aspecto da vida que é sempre um pouco engraçado” . O senso de humor ajuda o indivíduo entender seus próprios limites, ser menos crítico consigo mesmo, e abre portas para que feedbacks profissionais sejam recebidos com inteligência. Competência emocional envolve compreender que na maioria das vezes, o que os outros dizem e fazem não é pessoal, e sim uma manifestação de suas próprias motivações e interesses. Portanto, é crucial desenvolver o hábito de receber feedback abertamente, de múltiplas fontes, analisando opiniões contrárias com senso crítico embasado nas experiências vividas.
Fonte: HSM Management/Davi Lago e Augusto Jr.
Clique aqui e conheça as nossas iniciativas!