Vacina contra covid-19: a história de amor do casal turco-alemão por trás da empresa que testa imunizante contra coronavírus
Uma história única, digna de um seriado. O amor à ciência aplicada e as afinidades falaram mais alto, assim surgiu o casal de cientistas alemães, de origem turca, Ugur Sahrin e Öezlem Türeci, que se conheceu na universidade, e construíu uma família e hoje serve estão de exemplo sob vários aspectos.
O que dizer deste casal de cientistas que, hoje reconhecido mundialmente pelo desenvolvimento da vacina gênica, em parceria com a Pfizer, logo após a cerimônia de casamento, arrumou um tempo para ir ao laboratório onde se dedicavam as pesquisas contra o câncer?
O que falar sobre um dos homens mais ricos da Alemanha que vai para o trabalho e reuniões em sua bicicleta e que mora em uma casa sem frescuras e sofisticações?
O que dizer deste casal de brilhantes cientistas que sabe que suas contribuições podem mudar o mundo e ainda assim permanece firme em seu propósito de levar uma vida cotidiana normal, como qualquer casal alemão, de classe média?
Os resultados positivos até agora sobre a vacina contra a covid-19 da fabricante alemã BioNTech, em parceria com a americana Pfizer, é um sucesso inesperado para o casal de filhos de imigrantes turcos por trás da empresa de biotecnologia fundada na Alemanha que dedicou a vida a proteger o sistema imunológico contra o câncer.
De raízes humildes, o filho de um imigrante turco que trabalhava em uma fábrica da Ford em Colônia se tornaria, anos depois, o presidente-executivo da BioNTech. Hoje com 55 anos, Ugur Sahin figura entre os 100 alemães mais ricos, junto com sua mulher e colega Öezlem Türeci, 53, filha de um médico turco.
“Apesar de suas realizações, ele nunca deixou de ser incrivelmente humilde e afável”, disse Matthias Kromayer, membro do conselho da empresa de capital de risco MIG AG, cujos fundos financiam a BioNTech desde a fundação, em 2008.
Segundo Kromayer, Sahin normalmente vai a reuniões de negócios com calça jeans, mochila e capacete de bicicleta debaixo do braço.
Em um ano, o valor de mercado da empresa na bolsa de valores Nasdaq passou de US$ 4,6 bilhões para os atuais US$ 21 bilhões (quase R$ 113 bilhões na cotação atual), graças ao importante papel da empresa nas pesquisas para a imunização em massa contra o coronavírus. Para se ter uma ideia, esse valor de mercado é quatro vezes o atual da companhia aérea alemã Lufthansa.
Com amplo financiamento alemão, a Pfizer e a BioNTech são os primeiros fabricantes a apresentarem dados bem-sucedidos de um ensaio clínico em grande escala de uma vacina na pandemia. O imunizante tem quase 90% de eficácia no combate ao coronavírus, e as autoridades americanas podem autorizar seu uso emergencial ainda neste ano.
O sucesso do casal foi um “bálsamo para a alma” dos alemães de raízes turcas após décadas sendo estereotipados na Alemanha como “verdureiros sem formação”. A Alemanha tem uma grande comunidade de origem turca, mas esses imigrantes ou descendentes muitas vezes são alvo de preconceito.
Sonho de infância
Sahin e Türeci são filhos de trabalhadores que migraram para a Alemanha como parte da primeira geração de imigrantes turcos convidados pelo país, num programa conhecido como Gastarbeiter.
“A Alemanha luta há muito com a questão de quão aberta deve ser sua política de imigração, e o programa de ‘trabalhadores convidados’ do pós-guerra sempre foi questionado”, disse Christian Odandahl, economista-chefe do Centro para a Reforma Europeia.
“O pai de Ugur Sahin foi um desses trabalhadores convidados que vieram trabalhar na fábrica da Ford em Colônia, e agora seu filho pode ser a pessoa que pôs fim à epidemia que varreu o mundo.”
Perseguindo obstinadamente seu sonho de infância de estudar medicina e se tornar médico, Ugur Sahin (ou Uğur Şahin, no alfabeto turco) se formou em 1990 e trabalhou em hospitais-escola em Colônia e na cidade-universitária de Homburg, no sudoeste alemão, onde conheceu Türeci durante o início de sua carreira acadêmica.
Juntos, eles se especializaram nos estudos do sistema imunológico como um aliado potencial na luta contra o câncer e tentaram lidar com a composição genética única de cada tumor.
A vida como empreendedores começou em 2001, quando eles criaram a Ganymed Pharmaceuticals para desenvolver anticorpos contra o câncer, mas Sahin — professor na Universidade de Mainz desde 2014 — nunca desistiu da pesquisa acadêmica e do ensino.
O casal, que hoje tem uma filha adolescente, recebeu financiamento da MIG AG, bem como de Thomas e Andreas Struengmann, que venderam sua companhia de medicamentos genéricos Hexal para a Novartis em 2005.
A empreitada de Sahin e Türeci acabou vendida para a japonesa Astellas em 2016 por quase US$ 1,4 bilhão. Àquela altura, a equipe por trás da Ganymed já estava ocupada construindo a BioNTech, fundada em 2008, em busca de uma gama muito mais ampla de ferramentas de imunoterapia contra o câncer.
Isso incluía o mRNA, substância mensageira versátil usado para enviar instruções genéticas para as células. Nessa abordagem, em linhas gerais, o sistema imunológico detecta células cancerosas como um vírus entrando no corpo e tenta eliminá-las.
E com o método do mRNA, que permite produzir mais vacinas com maior rapidez e comparação com os métodos tradicionais de imunização, a empresa pretende produzir mais de 100 milhões de doses de vacinas até o final do ano.
Atualmente, Sahin é o executivo-chefe (CEO) da BioNTech e Türeci, a médica-chefe (CMO) da empresa.
‘Time dos sonhos’
Para Kromayer, da MIG, Sahin e Türeci formam um “time dos sonhos”, pois conciliaram suas aspirações com os limites da realidade.
A história da BioNTech sofreu uma reviravolta quando Sahin encontrou em janeiro de 2020 um artigo científico sobre um novo surto de coronavírus na cidade chinesa de Wuhan. Naquele momento, ele se deu conta de como era pequena a distância entre medicamentos anti-câncer de mRNA e vacinas virais baseadas em mRNA. A BioNTech rapidamente designou cerca de 500 funcionários para projetar na “velocidade da luz” vários compostos possíveis. A iniciativa atraiu a gigante farmacêutica americana Pfizer e a farmacêutica chinesa Fosun como parceiras pouco depois, em março.
“Nossa nova tarefa é derrotar este vírus. Esse é um dever humanitário”, disse Sahin.
Conhecer a história de Sahin e Türeci é inspirador. São exemplos assim, que nos fazem vibrar e acreditar em dias melhores, onde o que somos e fazemos, é sempre mais importante do que o que temos.